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Cafeicultura

Conhecimento e ousadia

"Na contramão da maioria dos cafeicultores do Norte capixaba, produtor rural de Sooretama deixa de lado a briga por preço e muda o cenário de produção em sua lavoura "

por Rosimeri Ronquetti

em 21/10/2019 às 13h00

11 min de leitura

Conhecimento e ousadia

Fotos: (*Rosimeri Ronquetti)


Em uma época em que o assunto da vez na cafeicultura é o valor pago pela saca do conilon, o produtor rural Tiago Camiletti, ao contrário dos demais, não briga por preço. Ele aposta em inovação no manejo das lavouras para aumentar o valor percebido do seu produto e, assim, conseguir melhores preços.

Sempre em busca de novidades, há cinco anos o produtor, que mora no Córrego Patioba, interior de Sooretama, no Norte do Estado, começou uma verdadeira transformação em seis hectares de conilon. Entre as novidades estão: a poda programada, adensamento do plantio, mudanças na maneira de adubar e o mais ousado, consórcio do café com capim braquiária.

Amostra de café da safra 2019, classificada com 86 pontos.


Os 17.500 pés da espécie estão divididos em quatro áreas distintas. Pouco mais de meio hectare com poda programada e adensamento, um e meio de lavoura com mais idade e sem trato cultural e quatro hectares com poda programada consorciados com a braquiária.

Quando começou a mudar o “padrão ” estabelecido para o cultivo do café, especialmente o plantio consorciado com a braquiária, Tiago foi até chamado de louco pelos vizinhos. “Se referiam a mim, e se referem até hoje, como o doido plantador de braquiária, mas não me importei. Eu sempre fui atento ao novo, ao diferente. Se eu não estou satisfeito com o que está acontecendo com 98% dos produtores de café eu não posso fazer parte dos 98%, eu preciso ser os 2%, eu tenho que ser o diferente. Só vai acontecer diferente comigo a partir do momento que eu começar a fazer diferente, então eu fui buscando ”, diz Camiletti.

Os números apontam que Tiago tinha razão. Enquanto a média de produção do Estado é de 45 sacas por hectare, o cafeicultor conseguiu elevar a produção para uma média de 80 sacas. “Tive área com produção de 170 sacas por

hectare, área de 150 sacas por hectare. Isso nas áreas tratadas. Nas áreas não tratadas, 66 sacas por hectare. Se compararmos com a realidade do Estado, ficamos 300% acima da média ”, pontua Tiago.

Produção de biofertilizantes para aplicação nas lavouras


Outra melhoria considerável ocorreu com os custos de produção. Camiletti saiu de um custo por saca entre R$ 200 e R$ 220 na média, na produção convencional, para R$ 126.

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O retorno positivo vem despertando o interesse de produtores de todo norte e noroeste capixaba. Constantemente, Tiago recebe visitantes em busca de informações, produtores que aos poucos têm aderido aos plantios diferenciados. Convites para contar sua experiência em palestras e eventos rurais também se tornaram comuns nos últimos tempos.

“Eu percebia que a cafeicultura de um modo geral vinha decaindo e eu tinha o pensamento de que precisava mudar, buscar alternativas. Mas eu não tinha informação, não sabia que caminho seguir. A chegada do Diego, engenheiro agrônomo, era a oportunidade que eu precisava ”, comenta Camiletti.

Primo e vizinho de terra de Tiago há dois meses, João Vitor Camiletti plantou, em um hectare e meio, 7.000 pés de café ao todo usando o sistema de adensamento consorciado com a braquiária. “Desde que o Tiago plantou fiquei com o pé atrás, mas com o tempo vi que funciona. Agora precisei renovar uma lavoura e plantei toda área disponível no mesmo sistema que ele. Minha expectativa de que vai dar certo é muito grande ”, diz.

Quem também vem aderindo, aos poucos, é o produtor Douglas da Silva. Há dois anos e dez meses, ele plantou 800 pés no sistema de adensamento para fazer um teste. E o resultado não poderia ter sido melhor. A média do café convencional, para primeira colheita, é de 50 sacas por hectare, em cafés bem cuidados. Pelas contas realizadas, a área de teste feita por Douglas, se fosse um hectare, teria rendido 148 sacas, já na primeira colheita. Depois da experiência bem-sucedida, Douglas já plantou mais 3.200 pés no mesmo sistema.

“Não sou tão inovador como o Tiago, mas quando vejo que dá certo eu também faço. Com o mesmo investimento está lá a prova de que na área de adensamento eu colhi quase três vezes mais do que o convencional. O resultado foi muito satisfatório. É mais lucrativo ”.

Diego e Tiago na lavoura do Tiago.


Mudança de rota

Todas essas transformações começaram há pouco mais de cinco anos quando surgiram as primeiras máquinas para colheita de café na região. Tiago percebeu que, para usar a máquina, era preciso preparar as lavouras. “Visitei muitas roças e de 100% que visitei, 98% disseram que a máquina não prestava. Percebi que não era a máquina que não prestava, era o manejo da lavoura que precisava ser modificado, para colher o café na máquina e obter sucesso. E foi o que fiz, comecei a preparar minha lavoura ”. Para fazer os testes com a colheitadeira, Tiago plantou, em uma área de meio hectare, 2,30m de rua por 1,20m, pé a pé, e passou a fazer a poda programada.

Após o início dessa experiência, Tiago recebeu a visita do consultor da Nestlé e foi convidado para fazer parte do programa Nescafé Plan, que investe na agricultura com forte presença nas pequenas propriedades. No projeto, os participantes recebem suporte técnico com o objetivo de aumentar a produtividade e proteger os ecossistemas. A proposta era receber R$ 3,00 a mais por saca de café e assistência técnica por meio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), através do Serviço de Inovação e Tecnologia (Sebraetec), em parceria com a Nestlé.

Tiago conta que aceitou a proposta de olho nas tecnologias a que poderia ter acesso, não tanto pelos R$ 3,00 a mais. “Visei menos o dinheiro e mais a sustentabilidade. Me interessei pelo projeto para poder ser mais eficiente e poder ter um controle a mais da situação da minha propriedade. Tinha uma ideia na cabeça de produzir sem uso de defensivos e essa foi a oportunidade que tanto esperava ”, relembra Tiago.

Por meio do projeto, Tiago recebeu em sua propriedade o engenheiro agrônomo, mestre em Fitotecnia e doutorando também nessa área, Diego Corona Baitelle, que trouxe, entre outras novidades, o plantio do café juntamente com a braquiária.

Com a chegada de Diego, Camiletti intensificou o uso da poda programada, adequou a lavoura ao adensamento de acordo com o cultivo do café consorciado com a braquiária e mudou o manejo da adubação. Em vez de aplicar o adubo três vezes ao ano, como no modelo convencional, o produtor fraciona a intervenção em 48 vezes por ano. Segundo Diego, o mais importante não é a quantidade aplicada, mas sim a quantidade que a planta absorve. “Fracionando, aumentamos a absorção e reduzimos a perda de adubo. Quanto mais fracionado, mais vigor e produtividade na planta. Com três adubações por ano perdemos a metade do adubo. Fracionado, perde-se no máximo 5% ”, explica Corona.

Além do adubo químico, Diego também introduziu adubação org&acirc,nica feita a partir de matéria da propriedade. Se antes aplicavam-se 100 quilos de ureia, hoje usa-se 70 da subst&acirc,ncia e 30 de matéria org&acirc,nica. A ideia, segundo o produtor, é reduzir para 20% o uso de adubo químico, aumentar para 80% o biofertilizante, e assim melhorar ainda mais a qualidade do café e diminuir os custos de produção.

Pioneiros em todas essas tecnologias na região, Tiago e Diego se tornaram sócios, arrendaram oito hectares de terra e fizeram o plantio da braquiária. A previsão é plantar 50 mil pés de café em abril de 2020. Tiago participa este ano do concurso Nestlé Plan, de melhor café capixaba pela Nestlé, e pretende visitar a Semana Internacional do Café, (SIC), que acontece em novembro, em Belo Horizonte.

Disposto a conhecer seu produto e fugir dos atravessadores, o cafeicultor fez três cursos de degustação e classificação de café e se prepara para trabalhar com exportação. “Quem tem que colocar preço no meu café sou eu, eu tenho que entender da muda até o grão torrado no final, preciso saber as características do meu produto para vender de maneira adequada. Na exportação é a mesma coisa: preciso fugir dos atravessadores que são quem realmente ganha dinheiro com a exportação, até mesmo da commodity ”, ressalta Camiletti.

João Vitor Camiletti em sua lavoura consorciada com braquiária, recém plantada.


Empresa familiar agrícola

Outra mudança importante que vem ajudando Tiago na gestão da lavoura é a maneira de enxergar a propriedade e administrar os recursos financeiros. Para ele, é preciso ver a cafeicultura como uma empresa e o produtor, um empresário. Como em qualquer outra empresa é preciso ter lucro para sobreviver. Nesse processo, o primeiro passo é saber o custo de produção.

“A primeira coisa que o produtor tem que ver é quanto ele está gastando para saber por quanto ele pode vender. Se eu não sei quanto estou gastando, como vou saber quanto estou ganhando? Minha empresa trabalha em cima de lucro ”, destaca o produtor.

Em sistema de agricultura familiar, Tiago conta com a esposa Rosana Camiletti. Enquanto ele cuida da produção e comercialização, Rosana cuida da parte administrativa e financeira. Tudo passou a ser contabilizado. “Ele fica muito envolvido na roça e eu cuido das anotações de tudo que é comprado, tudo o que é pago, o que ainda pagaremos no futuro e controle bancário no geral. Hoje, conseguimos saber o custo de produção e saber se deu lucro ”, explica Rosana.

Café colhido ponto cereja para consumo próprio consumo, safra 2018.


Vantagens do consórcio café com braquiária

Além de mais saúde para o produtor, preservação dos lençóis freáticos e do meio ambiente como um todo, o agrônomo Diego Baitelle lista vários benefícios do plantio do café com a braquiária, porém faz um alerta. Todo esse processo precisa ser feito com acompanhamento técnico de um profissional habilitado.

“Por mais que o produtor tenha conhecimento, um detalhe que aparentemente não faz diferença pode prejudicar lá na frente. Por isso é fundamental o acompanhamento técnico de um profissional qualificado. Não é todo clone que se plantado adensado vai dar certo, tem muda que se você adensar não produz. braquiária é a mesma coisa, tem variedade que não pode ser usada com o café ”.

Redução no uso de herbicidas e, consequentemente, nos custos. O plantio de braquiária dispensa a aplicação de herbicidas para controlar o mato, apenas a roçagem é suficiente. Diego lembra que o glifosato, subst&acirc,ncia utilizada para combater o crescimento do mato nas lavouras, demora até sete anos para se

degradar, enquanto isso fica contaminando o solo, deixa resíduos no grão e o café não desenvolve todo seu potencial ”, destaca o engenheiro.

A braquiária melhora a estrutura do solo. Sua raiz, mais profunda que a do café, absorve os nutrientes e joga para folha, quando é roçada disponibiliza esse nutriente para o café e aumenta a retenção de água, devido a palhada que segura a umidade do solo. A braquiária também abriga inimigos naturais que controlam os insetos, o que reduz a aplicação de inseticidas e fungicidas, em algumas situações.

Diego salienta que o mais indicado é plantar a braquiária antes e fazer algumas roçadas e só depois plantar o café. Sobre a retirada da braquiária, Diego diz que após quatro ou cinco anos, dependendo dos tratos culturais da lavoura, a braquiária não consegue sobreviver debaixo do café e morre sozinha.

Café especial

Incentivado pelo bom resultado alcançado com amostras de café cereja da roça consorciada com braquiária, colhidas e secadas manualmente em 2018 para o próprio consumo, Tiago Camiletti decidiu investir no ramo de cafés especiais. Ele conta que, avaliadas na xícara, as amostras foram bastante elogiadas por degustadores profissionais.

Já as amostras da safra deste ano foram classificadas por especialistas com 84 e 86 pontos. “Eu tenho conilon de 86 pontos, 84, que pertencem a uma linha de café gourmet. Tive proposta de vender entre R$7 e R$25,00 a mais por saca por não ter glifosato no café. Vejo aí um nicho de mercado e vou investir em café de qualidade ”.

Para Camiletti ter um café especial, sem resíduos de defensivos agrícola, agrega valor à sua produção, uma vez que o mercado de produtos especiais vem crescendo, e países da Europa que compram o café brasileiro deixaram de importar o produto com resíduos de glifosato, herbicida usado para matar ervas daninhas, por exemplo.

Já em 2020, Tiago pretende produzir entre 5% e 10% em cafés especiais, investir na compra de um separador e fazer terreiro apropriado para secagem dos grãos.

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