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Indicação Geográfica é ferramenta para o desenvolvimento rural

Processo de proteção jurídica a produtos exclusivos de algumas regiões engloba pequenos produtores, que descobriram as vantagens competitivas dessa rede internacional

por Redação Conexão Safra

em 21/06/2017 às 0h00

8 min de leitura

Indicação Geográfica é ferramenta para o desenvolvimento rural

O Espírito Santo está ampliando o mapa das Indicações Geográficas- IGs brasileiras. Só mais recentemente, os capixabas passaram a perceber as vantagens competitivas da certificação nos comércios nacional e internacional com a valorização de tradições construídas ao longo de décadas e a promoção do desenvolvimento rural de norte a sul do Estado.


Enquanto na Europa, berço das IGs, mais de 3.000 produtos agropecuários contam com o certificado, na América Latina ainda existem poucas políticas para o seu desenvolvimento. Hoje, existem no Brasil 49 Indicações Geográficas registradas, sendo três no Espírito Santo: o cacau em amêndoas, de Linhares, as panelas de Goiabeiras, de Vitória, e o mármore de Cachoeiro de
Itapemirim.


A diversidade de relevo, etnias e climas tornam o Estado um celeiro repleto de candidatos. E o alcance social das IGs é imediato. Com uma única proteção jurídica e intelectual de um produto notório na sua região de origem, atinge-se uma comunidade de produtores, a maioria pequenos. A ideia é comunicar ao mundo que certas localidades se especializaram e têm capacidade de produzir artigos diferenciados e de excelência.


Segundo o consultor do Instituto de Inovação e Tecnologias Sustentáveis- Inovates, Gabriel Beliqui, existem outros 11 produtos capixabas em fase de identificação do potencial, quatro já diagnosticados e aguardando apoio público ou privado, um projeto sendo estruturado, além de três já protocolados no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual- INPI: o socol de Venda Nova do Imigrante, a Carne de Sol do Extremo Norte Capixaba, com destaque para o município de Montanha, e o Inhame de São Bento de Urânia (Alfredo Chaves), esse tema da reportagem de capa da edição nº10 (dezembro de 2013) da revista SAFRA ES.


Beliqui afirma que as análises demandam até um ano e meio. Já a fase de diagnóstico leva três meses, enquanto a de estruturação, em média um ano. Já o tempo para concessão do registro de IG ou em relação às marcas e patentes pelo INPI já chegou a 2,5 anos, mas a entidade tem avançado nos seus métodos para processar de forma mais ágil esses pedidos, o que tem sido feito de um ano a um ano e meio.


Questão de ordem


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A lentidão do processo muitas vezes está na organização das cadeias produtivas. É o que avalia o fiscal agropecuário do Ministério da Agricultura- Mapa Klerysson Santana, que participou, em julho, do Encontro Estadual dos Produtores de Inhame, em Marechal Floriano, na região serrana. Ele destaca que, uma vez
cumpridas as exigências legais, a análise do INPI fica mais fácil e rápida. “A certificação é um patrimônio que tem que ser obtido e administrado coletivamente. O órgão que registra a IG tem que enxergar isso. Projetos mal elaborados só aumentam a demora na liberação do registro junto ao INPI ”, diz Klerysson.


Mais que um selo de procedência, a IG exige cadeias produtivas organizadas no âmbito de associações ou cooperativas e foco dos produtores para manter as particularidades daquilo que faz e poder integrar essa rede que garante visibilidade indiscutível. “A mobilização de todos facilita o entendimento dessa ferramenta de mercado pelos produtores, a elaboração do regulamento de uso, a estrutura de controle e todo o entendimento da área delimitada, da caracterização do produto… Cada cadeia tem seu tempo de maturação ”, explica o fiscal do Mapa.


A própria Associação Brasileira de Normas Técnicas- ABNT tem dado sua contribuição ao processo de obtenção de IGs, em convênio com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas- Sebrae, e participação do INPI, Inovates, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária- Embrapa, Mapa e outras entidades ligadas ao tema. “Existe hoje um grupo de especialistas que compõem a Comissão de Estudos Especiais de Indicações Geográficas se reunindo uma vez por mês pelo país para elaboração das normas técnicas que orientam todos os profissionais brasileiros do ramo de certificação sobre os critérios básicos da organização e estruturação das IGs ”, informa Gabriel Beliqui.


Mais três produtos perto da certificação


Com fama e sabores reconhecidos dentro e fora do Estado, três produtos mobilizaram associações e produtores nos últimos oito anos para se tornarem genuinamente capixabas com a chancela da Indicação Geográfica- IG. O socol de Venda Nova do Imigrante, a carne de sol de Montanha e o inhame de São Bento de Urânia (Alfredo Chaves) estão prestes a receber a cobiçada certificação.


Para o produtor e presidente da Associação dos Produtores de Inhame de São Bento- Apisbes, Jandir Gratieri, a IG trará muitos benefícios aos produtores e vai agregar valor à agricultura familiar. “Nós temos projetos para a criação de uma rota turística para divulgar nossa produção de inhame e uva e gerar novos negócios aos produtores. O inhame é um ícone para nossa região e promove o desenvolvimento local ”, anuncia Gratieri.


Outro produtor da localidade, Elson Denadai quer melhorar a venda do seu inhame após a
concessão da IG. “É difícil conciliar produção e venda. Ou estou na roça produzindo ou à frente dos negócios. A associação vai me orientar para o comércio. Quando se trabalha com seriedade, você é recompensado. ”


Além de reconhecer o esforço dos produtores em manter produções tradicionais durante décadas, a manutenção do direito de uso da Indicação Geográfica requer competência das cadeias envolvidas. “A perspectiva de diferenciação de mercado gera motivação e garante a manutenção das regras para continuidade da certificação. IGs não implicam qualidade, apenas reputação, quem vai garantir a excelência dos produtos são os próprios produtores ”, diz o fiscal do Ministério da Agricultura, Klerysson Santana.


Pioneirismo


Já o socol, presunto maturado de tradição italiana, será o primeiro produto com regulamento técnico feito exclusivamente no Espírito Santo. O presunto maturado integra o Projeto de Alavancagem da Indicação de
Procedência Venda Nova do Imigrante para Socol, desenvolvido pela recém-inaugurada Incubadora do Instituto Federal do Espírito Santos- Ifes, campus Venda Nova, junto ao Mapa em parceria com o Instituto de Defesa
Agropecuária e Florestal- Idaf e a Associação de Produtores de Socol- Assocol. Quatro bolsistas atuam em dois planos de trabalho: um voltado à estruturação organizacional da Assocol e outro à análise laboratorial do produto.


O produtor e presidente da Assocol, Ednes José Lorenção, vê como vitória para o Estado a regulamentação técnica que servirá de cartilha. “O regulamento vai servir como modelo para todo o Brasil. Até então as referências só tratavam de especificações para o lombo suíno dessecado e maturado, mas o socol é muito particular ”, descreve.


O relatório citado é uma das exigências do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual- INPI para concessão da
IG. Nesse processo, Lorenção acabou abrindo mão da sua patente pelo bem da coletividade, no caso, outros 20 associados da Assocol. “O socol deixou de ser marca para virar nome de produto, genuinamente capixaba ”, comemora o produtor, casado com Bernardete Lorenzoni, grande divulgadora do embutido suíno em feiras por todo o país.


Montanha de sabor


Na região mais ao norte do Espírito Santo, onde Minas Gerais encontra o Estado e por um fio não oficializa a divisa com a Bahia, uma carne bovina de preparo simples é um ícone gastronômico encontrado na feira semanal da cidade e também nos restaurantes. Em Montanha, a carne de sol é patrimônio cultural.


A tradição chegou com os
primeiros habitantes baianos e consiste no retalho de carnes como alcatra, chã de dentro e de fora, maçã de peito,
picanha- geralmente partes do gado com gordura- passadas em um sal grosso menos empedrado que o usado em churrasco. Depois de 3 horas no sal, lava-se e pendura-se a carne, que pode ser consumida em diferentes receitas.


A SAFRA ES visitou o Mercado Municipal de Montanha em um sábado de feira atrás da famosa carne de sol. O evento acontece há mais de 50 anos, atraindo moradores de toda a região já a partir das 5 horas da manhã. É o caso do aposentado Milton de Oliveira, o popular “Testinha Sanfoneiro ”, 66, que prefere a carne de sol assada com mandioca e feijoada. “No verão ela fica ainda melhor, mais seca ”, diz.


Já a vendedora Gerusa Gonçalves Silva, 38, não dispensa uma carne de sol assada acompanhada de farofa de feijão, como os montanhenses chama o feijão tropeiro. “Amo carne de sol desde criança. Toda casa aqui tem, é típico ”, diz.


Assim como outro candidato à Indicação Geográfica, o socol de Venda Nova, a produção da carne de sol esbarra em questões sanitárias que culminam com uma nova forma de apresentar e vender o produto ao consumidor. Para os produtores, embalar a vácuo os produtos, como exige a legislação em vigor para produtos de origem animal, é abrir mão de tradições que
tornaram esses alimentos notórios em suas regiões.

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