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Empreendedorismo dá a cara do agro `canela-verde´

A cidade mais antiga do Estado e com 99,5% da população urbana tem produção de hortaliças orgânicas, uva de mesa, café e limão-taiti

por Leandro Fidelis

em 31/08/2023 às 6h00

13 min de leitura

Empreendedorismo dá a cara do agro `canela-verde´

O viticultor Jorge Effigen é o segundo produtor rural de Vila Velha cadastrado para fornecer alimento para a merenda escolar do município. (*Fotos: Divulgação)

*Matéria originalmente publicada em 11 de junho de 2021

Com 486 anos completados em 23 de maio, Vila Velha é a cidade mais antiga do Espírito Santo e a terceira do Brasil. É difícil imaginar que, com 99,5% da população na área urbana, o município metropolitano tenha zona rural ativa. Apesar de as atividades agro não serem parte tão efetiva na geração de riqueza local (0,2% do PIB, segundo o Censo 2017 do IBGE), Vila Velha tem produtores rurais se destacando em atividades como cafeicultura, viticultura, citricultura e horticultura orgânica.

De acordo com o Proater (2020-2023/Incaper), aproximadamente 0,13% da população “canela-verde” está ocupada em atividades agropecuárias. Na estrutura fundiária, predominam as pequenas propriedades, com 64% dos estabelecimentos formados por agricultores familiares. Porém, mais de 90% da área rural do município pertence a agricultores não-familiares.

Vila Velha conta atualmente com 13 entidades associativas no setor agropecuário, entre elas a primeira cooperativa de seringalistas do Brasil, a Heveacoop (Saiba mais abaixo), além de grupos informais.

“É um município que está dentro do maior mercado consumidor do Estado. Este é o potencial a ser explorado pelos agricultores locais. O desafio para quem trabalha com agricultura em Vila Velha, seja através de órgãos públicos ou da sociedade civil, é organizar o setor para conseguir atender às demandas geradas por esse grande mercado consumidor”, destaca o coordenador do Escritório Local de Desenvolvimento Rural do Incaper, Fabio Stelzer. 

Com 40 km de faixa litorânea, Vila Velha possui ainda diversas comunidades tradicionais de pescadores artesanais, agrupados na Colônia de Pesca. Eles desenvolvem atividades extrativistas com espécies locais de peixes, crustáceos e moluscos. Por isto, a pesca marinha é uma importante atividade no município, sendo praticada tanto de forma artesanal como profissional.

Ainda conforme dados do Proater, a cana-de-açúcar é a atividade de maior impacto econômico no PIB agropecuário do município. A produção é destinada a atender a demanda por caldo-de-cana em feiras livre e outros estabelecimentos na Grande Vitória. Além da cana, há cultivos de subsistência, como mandioca, milho e feijão.

Outros destaques são o cultivo da seringueira para extração de borracha, segunda atividade mais impactante no PIB agropecuário do município; e a fruticultura, com banana, limão, manga e coco, que são produzidos visando atender às demandas da Ceasa, de bares e restaurantes da Grande Vitória e dos próprios agricultores, na fabricação de produtos agroindustrializados.

*CANELA-VERDE- Segundo o site da Câmara de Vila Velha, seria um apelido que os índios deram aos primeiros colonizadores, porque existia uma grande quantidade de algas marinhas na costa que manchava as calças e as canelas dos portugueses quando desembarcavam.

No final de maio, os irmãos Túlio e Bruno Von Randow se tornaram os primeiros agricultores familiares do município a fornecer para o PNAE.

 

Limão-taiti

Os irmãos Túlio (56) e Bruno Von Randow (44) ainda causam espanto quando vão vender limão-taiti na Ceasa ou em restaurantes de Vila Velha. “Os donos de restaurante ficam surpresos ao saber que a produção ocorre dentro do município”, conta Bruno, um dos proprietários da Fazenda Pairacatu, na localidade de Córrego Sete, a 30 km do centro da cidade.

A propriedade de 94 hectares tem 15 ha dedicados há oito anos à citricultura e grande parte coberta por eucalipto. O clima quente contribui para a dupla colher a fruta praticamente o ano todo. De abril de 2020 até maio deste ano, a entressafra foi de apenas dois meses, em agosto e setembro. O volume maior da produção foi registrado entre março e maio, com 1.000 kg semanais de limão-taiti.

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“Nos meses em que não colhemos, os pés estavam carregados, mas com frutas novas e em crescimento. A gente depende da chuva e tem chovido numa constância boa e na quantidade certa para os cultivos”, afirma Bruno, que se dedica à colheita, enquanto Túlio assume a parte comercial.

Os negócios alavancaram mais nos últimos três anos. Enquanto a maior parte do limão-taiti tem como destino as Centrais de Abastecimento do Estado, o restante é vendido com facilidade para os restaurantes de Vila Velha. A proximidade com a Ceasa, de apenas 38 km, é considerada uma vantagem pelos agricultores.

“São apenas cinco quilômetros de estrada de chão e o restante na pista. Temos muita facilidade de escoamento em comparação com outras regiões produtoras, a exemplo de Itarana, São Mateus e Santa Leopoldina. Nós estamos na porta”.

Mais recentemente, os irmãos se tornaram os primeiros agricultores familiares do município a fornecer para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).  “A equipe da prefeitura desconhecia ter produtor rural em Vila Velha. Até então só participavam da licitação produtores de outros municípios. Abrimos caminho para outros agricultores locais terem preferência no programa federal”, comemora Bruno.

O engenheiro agrônomo do Bandes, Gabriel Nunes, cedido à Prefeitura de Vila Velha como coordenador de Agricultura e Pesca, informa que todo ano o município abre o chamamento público para merenda escolar, porém os produtores locais nunca tinham participado do edital do PNAE. “A diferença neste ano foi identificar produtores potenciais e dar a assistência necessária para que pudessem aderir ao programa. A ideia é expandir o cadastro no próximo ano”.

Gosto

Embora criados na área urbana, Túlio, formado em economia, e Bruno Von Randow, em administração e ainda árbitro de basquete, sempre tiveram uma relação estreita com o agronegócio. De acordo com Bruno, o pai, já falecido, era veterinário da Secretaria de Estado da Agricultura (Seag) e viajava o Espírito Santo para organizar exposições agropecuárias.

Como o pai ficava mais tempo fora de casa, os irmãos passaram a acompanhá-lo nos eventos e acabaram tomando gosto pelo agro, hoje praticado na cidade onde vivem.

“As pessoas não têm noção do tamanho da área rural de Vila Velha. O interior do município ainda é desconhecido, mesmo estando tão perto da área consumidora”, conclui Bruno.


 

Xuri com produção de uva de mesa e orgânicos certificados

No sentido Guarapari, a localidade de Xuri conta com diversificada produção agrícola e iniciativas pioneiras na zona rural de Vila Velha. Os destaques são os sítios Effigen (Casa da Uva), com cultivos de uva de mesa, e Pedra Viva, o único do município certificado para orgânico, com 154 variedades de frutas, olerícolas, condimentos e legumes.

A primeira propriedade fica localizada na altura do km 15, na rodovia ES-388. O casal Jorge Ivan Effigen (54) e Tânia Grassi (53) ingressou na viticultura em 2000, com 2 hectares de produção das variedades Vitória (sem caroço) e Niágara Rosada. Devido à seca de 2015 e 2016, os agricultores tiveram perda total do parreiral porque não tinham água para irrigação. Atualmente, cultivam apenas 1 ha com uva de mesa, com produção de 10 toneladas por ano.

Effigen conta que a ideia de investir em viticultura surgiu após visitar um projeto em Pirapora (MG), no Vale do Rio São Francisco. As semelhanças geográficas e climáticas encorajaram a iniciativa. “Fiz amizades com outros produtores e especialistas, que nos dão assistência técnica via internet”, diz.

O casal comercializa uva de mesa nas feiras municipais, com uma rede capixaba de supermercados, distribui na Ceasa e acaba de ser selecionado para fornecer ao PNAE de Vila Velha. Além disso, mantém um colhe e pague no sítio, recebendo os visitantes em períodos com a fruta madura nos pés.

“As pessoas ficam admiradas porque a gente está muito próximo da cidade e tem uma área rural perto. Vila Velha só é conhecida pela parte litorânea. Tem sido bem gratificante morar na propriedade, com uma vida bem tranquila e sossegada”, comenta Jorge Effigen.

Sonho

A apenas 1 km do Sítio Effigen, o Sítio Pedra Viva é a concretização de um sonho para a agricultora orgânica Renate Wanke (47). Formada em engenharia civil, foi durante o mestrado em engenharia ambiental que decidiu pesquisar o desaguamento de lodos de esgoto. Ela conta que, desde aquele período, já focava no lodo como produto “interessante” para utilizar no condicionamento de solos.

Com incentivo do marido, Ricardo Franci (61), engenheiro civil e sanitarista com doutorado na França na mesma área de pesquisa da mulher, ela fundou a empresa Xuri Alimentos Saudáveis, com sede no Retiro do Congo. Em 2014, Renate desenvolveu reatores de compostagem de resíduos orgânicos para formar adubo e utilizar na agricultura.

Quatro anos depois, efetivamente iniciou a empresa, tendo como meta produzir alimentos orgânicos e saudáveis para comercializar na região metropolitana de Vitória, garantindo simultaneamente equilíbrio ecológico, fertilidade do solo e prevenção a pragas.

“Desde o início pensei em uma empresa baseada no conceito Nexus, que aborda o aspecto indissociável dos vetores água, nutrientes e energia para o desenvolvimento humano. Dessa forma, decidi que, para ter esse ciclo completo, teria de trabalhar com agricultura orgânica, gerando produtos diversificados e de alta qualidade para a saúde dos consumidores e que fossem produzidos sem agredir os grandes ciclos da natureza”, relata a agricultora. 

Em 2019, com a empresa ainda no Retiro do Congo, o casal conquistou o Certificado de Conformidade Orgânica pelo Instituto Chão Vivo. Já no ano passado, adquiriu o sítio em Xuri (com cerca de 4,24 hectares), para onde transferiram a sede da Xuri Alimentos Saudáveis.

Atualmente, quando a produção de olerícolas, condimentos, legumes e frutas, principalmente desta última, é maior, os agricultores fornecem para pequenos supermercados. As demais (hortaliças, ovos, galinhas e galos) são vendidas por meio das redes sociais, com entrega na casa dos clientes.

Renate Wanke conta que sua rotina no Sítio Pedra Viva é acordar cedo e orientar as atividades na granja e na horta orgânica, além de manter o “olhar atento” às oportunidades de escoar a produção nos bairros de Vila Velha mais próximos à propriedade.

 

Diversidade

O Sítio Pedra Viva impressiona pela diversidade de produtos agrícolas de base orgânica. Tem plantação de palmito pupunha intercalada com juçara e de aproximadamente 800 pés de manga, sendo a maioria do tipo Palmer, além Manguita, Hadem e Tommym.

A lista com 154 itens inclui desde cultivos orgânicos de coco (comercializados secos e verdes), abacaxi, acerola, cacau, jaca dura, jabuticaba amarela (cabeludinha), amora, jenipapo, limão galego, limão branco, laranja bahia, pitanga, banana, goiaba, seriguela, jambu a plantas medicinais. Os agricultores ainda produzem compotas e geleias a partir das frutas colhidas no sítio.

Para Renate, é um sonho se realizando pouco a pouco.

“O mercado de produtos orgânicos ainda não está maduro o suficiente na nossa região e, hoje, entendo que a pandemia atrapalhou bastante esse amadurecimento. Há uma perda generalizada de rendimento na população e isso é determinante na escolha de alimentos mais baratos, o que nem sempre ocorre com os produtos orgânicos”, analisa.

Por esse motivo, a agricultora ressalta a necessidade de serem criativos, tanto na produção quanto na comercialização dos produtos, o que exige dedicação permanente ao ciclo completo do negócio. “Estamos dando ênfase especial à consolidação de um canal de comercialização via internet para conseguir adequar melhor a produção à demanda, sem desperdícios”.

A proximidade com o centro de Vila Velha e o silêncio predominante são as vantagens de viver na zona rural, diz Renate. “Estamos a meia hora do centro da cidade, convivendo com macacos, tucanos, canarinhos e outros animais silvestres. O silêncio e o verde são o que mais aprecio aqui. As noites também são muito estreladas”, gaba-se.


1ª cooperativa de seringalistas do Brasil faz 30 anos

Com sede em Vila Velha, Heveacoop aumentou número de associados e produção de látex coagulado em três décadas 

A Cooperativa dos Seringalistas do Espirito Santo (Heveacoop) completou 30 anos em maio. Com sede em Vila Velha, a instituição formada por 260 pequenos e médios produtores de látex coagulado (ou coágulo virgem) de todo o Estado é a primeira do Brasil neste setor do agronegócio. A união inédita inspirou outras iniciativas semelhantes no país, mas a Heveacoop continua sendo a maior cooperativa em número de cooperados.

A Heveacoop foi fundada diante da necessidade de pequenos e médios produtores de borracha capixabas organizarem a comercialização da matéria-prima.

“O mercado era desorganizado há trinta anos. Em prejuízo do produtor haviam muitos atravessadores que marcavam para fazer coleta e não apareciam”, relata o sócio-fundador e atual diretor-presidente da cooperativa, Humberto de Moraes. 

Para aumentar o volume de produção e enfrentar o mercado sem depender dos atravessadores, um grupo de 20 seringalistas fundou a Heveacoop. Além dos capixabas, a cooperativa reúne associados nos limites com Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais que, juntos, produzem cerca de 3.000 toneladas de látex coagulado por ano. Pelo menos 30 municípios concentram a produção, e a previsão de faturamento bruto em 2021 é de R$ 15 milhões.

Humberto de Moraes é o presidente da Heveacoop.

No início da pandemia, o preço líquido do coágulo virgem chegou a custar R$ 3 o quilo. No entanto, este ano já valorizou 66% o preço médio pago aos seringalistas associados, em torno de R$ 5 o quilo.

“Enfrentamos muitas crises de mercado, seja de preço, de demanda, mas hoje, felizmente, a exploração de borracha é um bom negócio. Por ser commodity, depende do que acontece mundo afora. A pandemia teve interferência negativa, mas com a China saindo na frente no controle da Covid-19, a economia está bastante ativa e demandando produção de borracha. O preço ganhou fôlego, e o mercado está bom. Tem fome de tudo!”, afirma Humberto.

O galpão de embarque da borracha funciona em Guarapari. É dali que a borracha bruta produzida pelos cooperados é transportada para usinas de beneficiamento de Sooretama, no norte do Estado, e Ituberá (BA). Lá, o látex é transformado em Granulado Escuro Brasileiro (GEB), a matéria-prima para fabricação de pneus da Michelin.

Toda receita com a venda do látex coagulado é revertida aos 260 cooperados.

“Todo o benefício é para o cooperado. Sozinhos, eles não teriam condições de enfrentar o mercado. Os pequenos produzem em torno de quinze toneladas por ano, o que os impossibilita de serem competitivos”, conclui o diretor-presidente da Heveacoop.

Outro sócio-fundador e diretor comercial da cooperativa há quase 30 anos é Pedro Wandekoken. Ele se diz satisfeito pelo trabalho executado ao longo dos anos e afirma que a Heveacoop é reconhecida nacionalmente pelo modelo de gestão em agronegócio.

“O seringalista se sente seguro em fazer parte de uma instituição que lhe garante estabilidade, realizando toda a operação comercial e fiscal e mantendo sempre o melhor preço de mercado. O único trabalho dos nossos associados é produzir borracha e colocá-la no ponto de embarque a cada trinta dias. Em dez dias, o dinheiro está na sua conta”, finaliza.

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