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Da amêndoa à barra de chocolate no mesmo quintal

Família de São Gabriel da Palha, no noroeste do ES, instala agroindústria e transforma em chocolate artesanal amêndoas de cacau colhidas na propriedade

por Rosimeri Ronquetti

em 14/09/2023 às 6h00

7 min de leitura

Da amêndoa à barra de chocolate no mesmo quintal

*Fotos: Rosimeri Ronquetti

*Matéria originalmente publicada em 26 de agosto de 2020

A história por trás da diversificação e renda da família Bissoli é um exemplo de como é possível empreender com sucesso no meio rural. O cultivo de cacau, iniciado pelo casal Adelma (45) e Cleomir (55) há cerca de 15 anos, quando a cafeicultura ainda era uma das únicas culturas, quiçá a única, implantada no município de São Gabriel da Palha, noroeste do estado, mostra essa tendência.

O que era para ser apenas atividade complementar acabou se transformando em um empreendimento bem maior. Determinados e sem nenhum conhecimento, o próprio casal fez as mudas de cacau com sementes de algumas frutas colhidas no quintal de um conhecido e deram início ao cultivo.

“A gente queria plantar, mas não tinha conhecimento nenhum, nem acesso a informação como tem hoje. Fizemos todo processo do nosso jeito. Enchemos sacolas, colocamos as sementes e fizemos cerca de 800 mudinhas. Depois, plantamos no meio do café, e assim começamos ”, conta Adelma.

Ela acrescentou que, como as mudas eram de sementes de baixa qualidade, a produção era muito pequena. Só depois de cerca de cinco anos surgiu a oportunidade de plantar mudas melhores por meio da indicação de pessoas conhecidas de Colatina e da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), em Linhares.

E mais uma vez fizeram eles mesmo todo processo. Um amigo de Cleomir levou da Ceplac alguns galhos de cacau e o casal fez o enxerto, começando pelos pés de cacau mais velhos. Adelma lembra que nessa época começaram a surgir novos plantios no município e assistência técnica, e foi aí que ela e o marido passaram a receber apoio no cultivo da lavoura.

“Depois de um tempo, quando a gente já estava no processo de melhoria das plantas, o cacau começou a se expandir na região. Mais plantações surgiram e começou a aparecer assistência técnica. Nós também começamos a pesquisar na internet, fazer cursos, que antes a gente não tinha acesso, e assim as coisas foram melhorando ”, relata a produtora.

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Atualmente são 2.000 pés de cacau, 1.000 deles em produção, e uma colheita de aproximadamente 40 sacas por ano. Parte é utilizada na produção de chocolate artesanal familiar. Já as amêndoas que não apresentam qualidade para produção de chocolate são comercializadas.

Além do café e do cacau, a família também produz pimenta no Sítio Pingo de Ouro, terreno de 4 hectares, situado na comunidade Córrego Serrinha, distante cerca de 6 km da cidade. Todo trabalho do Sítio é feito em regimento de agricultura familiar por Adelma, Cleomir e o filho Willian (20).

“Os desafios foram muitos, sem dúvida, e só não desistimos porque somos bem persistentes em tudo que a gente começa a fazer, mas não foi fácil. Foi sem dúvida uma diversificação da agricultura familiar que deu certo ”, pontua Adelma.

Célio Roberto Cuquetto, técnico extensionista do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), de São Gabriel da Palha, presta assistência técnica para família, com orientação no manejo da cultura do cacau, poda, adubação e controle de pragas e doenças. Célio diz acreditar muito nos produtores e suas boas ideias, mas não é tão comum encontrar pessoas com tanta determinação quanto eles.

“Acredito sempre nos agricultores e suas inúmeras ideias inovadoras. Mas não é tão comum encontrar pessoas determinadas desta natureza. Eles são realmente muito criativos ”, relata Cuquetto.

Do cacau ao chocolate artesanal

Há cerca de dois anos, mais uma atitude empreendedora da família Bissoli começa a dar bons frutos. Após muitas pesquisas e persistência, o sonho de transformar o cacau produzido no sítio em chocolate tornou-se realidade. Porém, diferente do início do cultivo de cacau, agora os produtores tinham acesso à informação.

“Também enfrentamos muitos obstáculos. Testamos muitas receitas, jogamos muito chocolate fora, além de todo processo burocrático para conseguir legalizar a fábrica. Mas, aos poucos o sonho foi se tornando mais próximo da realidade, a cada pesquisa, curso e investimento que fomos fazendo ”, conta Adelma, que acrescentou que o investimento total passou dos R$ 100 mil.

Uma das únicas especialistas na área de alimentos no norte e noroeste do Estado, a extensionista do Incaper de Nova Venécia, Jozyellen Nunes da Costa foi quem fez todo processo junto aos órgãos municipais para legalização da fábrica. Jozyellen explica que fazer um projeto para a agricultura familiar, por si só, já é um desafio. No caso da família Bissoli, o desafio foi ainda maior, uma vez que na região praticamente não existe agroindústria. Por outro lado, a visão empreendedora da família ajudou.

“Foi desafiador. A responsabilidade de legalizar um produto na região, onde não há o hábito de produzir e comercializar e praticamente não existe agroindústria, foi talvez o maior deles. Além disso, elaborar projetos para a agricultura familiar é muito desafiador. Nos deparamos com as expectativas das famílias, principalmente quanto ao investimento e o retorno dele, se vai ter viabilidade econômica ou não. No caso dessa família foi diferente devido à visão empreendedora que possui ”.

Para chegar ao ponto certo da receita, Willian e Adelma fizeram vários cursos. Entre eles, os oferecidos pela Ceplac, particulares, com profissionais de renome nacional, e vários pela internet. Atualmente, produzem e comercializam cinco produtos: chocolates branco com nibs, ao leite 40% cacau, ao leite 60% cacau, 70% cacau sem leite e 80% cacau sem açúcar.

Assim como o cultivo do cacau, todo trabalho de produção do chocolate, seleção, torra, separação da casca, pré-moagem, refino, peneragem, temperagem, molde, empacotamento e venda é feito pela família. Enquanto Cleomir cuida do cultivo, Willian e Adelma se dedicam ao beneficiamento.

Exemplo que passa de pai para filho

Para Willian, formado em técnico agrícola, empreender é algo natural, que vem de berço. Afinal, cresceu em meio ao processo empreendedor dos pais. Primeiramente, ainda criança, vendo o esforço e o trabalho deles com o cultivo do cacau. Já adulto, ao lado da mãe, para colocar em prática a produção de chocolate. Agora, o desejo é seguir o exemplo dos pais e expandir o negócio.

“Eu cresci aqui, decidi fazer formação na área agrícola, me formei como técnico e sempre tive o sonho de empreender. &Eacute, isso que desejo para o futuro. Os planos são expandir a produção, comprar novos maquinários, atingir novos clientes, enfim evoluir ”, saliente o jovem.

Além de ajudar a mãe na produção de chocolate, Willian foi o responsável pela escolha do nome da marca, “Faccinio ”, e cuida de toda parte de divulgação.

“Queria um nome que de alguma forma tivesse alguma ligação com o tipo do chocolate que fabricamos, “Bean To Bar” (da amêndoa à barra), focado em qualidade. Pensei em “fascínio”, de fascinado, mas como é uma palavra considero uma palavra complicada, e não é bom ter o nome da marca complicado, fiz uma mudança e coloquei “Faccinio” (uma adaptação mais comercial) que tem mais cara de marca, concluí Willian.

Em meio à pandemia, a divulgação nas redes sociais tem ajudado nas vendas, que por enquanto são feitas em São Gabriel, Vila Valério e Colatina. Encomendas vindas de regiões mais distantes são entregues pelos correios. “A meta para o futuro é conseguir aliados que revendam nosso chocolate para difundir nossa marca na região e também no país ”, aponta Willian.

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