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Entrevista

Entrevista Paulo Hartung (governador do Estado do Espírito Santo)

As cinco bases de um olhar futurista do Agronegócio Capixaba

por Redação Conexão Safra

em 22/06/2017 às 0h00

14 min de leitura

Entrevista Paulo Hartung (governador do Estado do Espírito Santo)

SUSTENTABILIDADE | TECNOLOGIA E CIÊNCIA APLICADA | INFRAESTRUTURA DESBUROCRATIZAÇÃO | DIVERSIFICAÇÃO E AGREGAÇÃO DE VALOR


De olho no presente, mas com visão de futuro. Esse é o tom do governo do Estado do Espírito Santo na gestão da agricultura capixaba. Investimentos robustos em barragens, pesquisa científica, cobertura florestal, capacitação de alto nível das principais cooperativas agrícolas e até a forma como as instituições se comunicam com o produtor são algumas ações estratégicas de curto, mas também de médio e longo prazos tomadas pelo executivo estadual. Intervenções como a isenção do ICMS do milho, insumo básico da cadeia avícola, com impacto direto na competitividade do produto capixaba no mercado também mereceu atenção especial do governo.


Ações como a desburocratização do IDAF (Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo), por exemplo, tido como “bicho papão ” entre muitos produtores, está aproximando o Instituto do agricultor, principalmente o de base familiar, com uma atuação mais educativa, ao invés de punitiva, já que a imagem da instituição era, até então, fortemente associada
à aplicação de penalidades e multas.


Mas, como o governador Paulo Hartung imagina a agricultura capixaba? Qual é a mensagem que ele deixa para os agricultores capixabas, principalmente em um momento delicado, de crise hídrica, de quebra de safras e de vertiginosa queda das receitas dos Estados e Municípios, mas considerando que o Estado do Espírito Santo vem sendo referenciado com seu modelo eficaz de gestão?


Nesta edição especial comemorativa dos cinco anos da Revista SAFRA ES, o governador nos recebeu no Palácio Anchieta, em Vitória, para uma entrevista exclusiva em uma conversa muito aberta e direta, onde relatou o que pensa da agricultura capixaba, com um interessante contorno histórico de uma das principais atividades econômicas do Estado.


UM RECORTE HISTÓRICO DA AGRICULTURA CAPIXABA


“O nosso Estado tem uma história muito peculiar dentro da região Sudeste, e até do nosso vizinho do Nordeste, o Estado da Bahia. O Espírito Santo, depois da chegada dos portugueses na Prainha, em Vila Velha, teve pouco dinamismo econômico durante séculos. O que o Estado viveu tem muito a ver com a presença jesuítica em terras capixabas, que tem a marca do Anchieta, agora santo, que tem a relevância da construção deste prédio (o Palácio Anchieta) construído pelos jesuítas, tanto essa parte (onde estávamos, em uma ampla Sala de Reuniões) que era o Colégio Jesuíta, como a parte da antiga igreja de São Tiago. E isso veio da agricultura. Os jesuítas organizaram fazendas que conhecemos hoje como região metropolitana da Grande Vitória. Produziram principalmente cana de açúcar, conseguiram transformá-la em açúcar e comercializando este produto, fizeram excedente econômico, e com ele construíram este prédio que é atualmente sede do governo, e que foi o maior prédio da história do Espírito Santo durante séculos, para mostrar a dificuldade da caminhada do Estado e o isolamento que vivemos durante séculos.


Quando Dom Pedro II estimulou uma leva de imigração europeia para o Espírito Santo, italianos, alemães, pomeranos,
holandeses, suíços, isso teve uma importância porque esses imigrantes não vieram para ser mão de obra assalariada, mas para serem donos de pequenas propriedades de terra, para serem colonos. Isso, de certa forma, organizou um ciclo econômico no Estado do Espírito Santo. Dom Pedro II esteve aqui em 1860, visitou muitas comunidades, como a que hoje nós conhecemos como Domingos Martins, Santa Leopoldina, Vitória, Linhares, Guarapari, Itapemirim, Rio Novo do Sul (que tinha um grupo de suíços que foi mandado para lá, por exemplo). Essa leva de pequenos proprietários rurais produziu um ciclo novo na economia do Espírito Santo, da cafeicultura. A nossa história é de um desenvolvimento lento, tardio e marcadamente ligado à agricultura.


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O Estado do Espírito Santo só começou um processo forte de diversificação econômica no final da década de 50, quando aconteceram grandes crises na comercialização internacional do café, e no início da década de 60. Daí se iniciou a diversificação com a construção do Porto de Tubarão, que é um marco na nossa economia. É um porto de águas profundas que leva o minério de ferro das Minas Gerais para a Ásia.

Na época, o Japão era o grande consumidor de minério de ferro. É curioso, porque a diversificação começou
junto com a erradicação das lavouras de café no Estado, o que provocou completa desorganização do negócio agrícola naquele período. Do ponto de vista social, este é o momento mais difícil da nossa história. O interior do Estado empobreceu rapidamente, teve uma migração interna brutal e também para os Estados vizinhos.


O Espírito Santo evoluiu para a diversificação da sua economia: Porto de Tubarão, usinas de pelotização, a antiga CST, a antiga Aracruz Celulose, a própria Samarco e criou novos negócios, como metal mecânica, construção pesada, construção habitacional. O Estado começou a trabalhar também com rochas ornamentais, desenvolveu polos de confecções e moveleiro. Com isso, a economia e o comércio se diversificaram, o setor de serviços avançou muito, e o negócio agrícola também se modernizou, saiu da erradicação dos cafezais e
começou a plantar café conilon no norte do Estado, nas nossas terras baixas e quentes.


Tornamos-nos um produtor planetário. A nossa escala de produção de Conilon é mundial, onde também figura o Vietnã (mais recente que nós). Reestruturamos a nossa lavoura cafeeira, tanto com a expansão do conilon como também qualificamos a nossa lavoura de arábica. Começamos a produzir cafés finos que hoje são comercializados mundo afora: Europa, Alemanha, Japão… O negócio agrícola, a partir da cafeicultura, se diversificou e passou por um processo de modernização.


Tivemos aumento de produtividade em todos os setores. Alguns evoluíram mais, como no caso do café, outros nem tanto, como a pecuária, tanto de leite quanto de corte, ainda menos do que precisam. Estamos diante de um desafio. Mas, sem dúvida, existe uma diversificação muito saudável na agricultura. Viramos produtores de frutas, temos polos espalhados por todo o nosso território. Nos tornamos um produtor de madeira a partir da planta da Aracruz Celulose. O Estado virou um grande produtor e hoje produz madeira para diversas aplicações: de calço a fabricação de móveis, por exemplo.


Temos consolidado um espetacular polo produtor de ovos. É gente muito trabalhadora e competente que faz isso. Temos, também, um polo produtor de carne de frango. E outro polo que trabalha na produção e no processamento da carne de boi, e assim por diante, muito bem-sucedido, inclusive vendendo para o mundo. A silvicultura também é muito forte. Acabamos de levar um programa para o Caparaó para o plantio de pinus e trabalhar a resina. E com essa diversidade, como nós olhamos para o futuro?


Nós chegamos até aqui atravessando uma crise hídrica dolorosa que tem privado o cidadão capixaba de um recurso que é tão
importante e tem levado muito sofrimento ao nosso produtor rural. Com essa história particular da nossa região, com o caminhar que uma hora avançou, mas outra retrocedeu, como foi o caso da erradicação dos cafezais, nós olhamos com alguns focos e é assim que estamos trabalhando o setor, que é muito importante do ponto de vista social
no Estado do Espírito Santo. Eu sempre digo que o agronegócio capixaba é um grande instrumento de paz social no nosso Estado. Ele permite uma capilaridade: de renda espalhada por todo o território. Permite que o jovem possa ter uma vida digna no interior do Estado, estudando, casando, criando família, e assim por diante, sem que seja necessário todos virem para a Grande Vitória, ou sair daqui para ir para o Rio. O Estado tem uma estrutura de divisão fundiária de boa qualidade, temos muita presença de pequenas propriedades, então a adesão do produtor rural é fundamental, e hoje nós estamos sentindo tudo isso ”.


SUSTENTABILIDADE


“A primeira coisa é ter uma visão de sustentabilidade das propriedades rurais. Isso era difícil de discutir no passado, parecia uma interferência indevida na vida do produtor rural, e hoje ele quer discutir isso, é só ver o sucesso do Programa Reflorestar, que passou a ser operado pelo Bandes para dar mais dinamismo ao pagamento dos produtores e à estrutura do programa. Há uma nova concepção. O governo está ajudando, mas o produtor rural está amadurecendo, vendo essa realidade de seca, de dificuldade, que são questões de sustentabilidade. O produtor rural olha para o seu vizinho, que preservou nascentes ou uma cobertura florestal, e esse vizinho tem água enquanto este outro produtor não tem. O próprio valor da terra tem muito a
ver com a atual questão da preservação ambiental. Esse é o primeiro elemento, e o governo trabalha em algumas frentes.


Para que o Estado recomponha a sua cobertura florestal estratégica, e estou inserindo as matas ciliares, com um trabalho amplo e importante de preservação e recuperação de nascentes, o Programa Reflorestar é um diferencial hoje no Brasil. Nós estamos assinando milhares de novos contratos com este programa, que é muito expressivo, não só pelo que ele impacta, mas pela pedagogia que ele difunde, porque ele leva o produtor a fazer isso também com seus recursos e meios próprios na propriedade. Isso tem um papel efetivo, também de indução de atitude diante da questão da nossa relação, do produtor rural, do ser humano com o meio ambiente.


Um outro fator importante nessa vertente é difundir novas práticas do uso da irrigação, que no mundo inteiro foi implantada com muito desperdício de água e de energia. E quando você está
desperdiçando água, desperdiça energia também. Estamos facilitando e induzindo novos programas de irrigação, com a implantação de modelos mais econômicos, mais direcionados, com uma relação melhor com a natureza, porque a água, todos estão aprendendo agora, é um bem finito, nós não temos uma disponibilidade infinita dela.


Estamos trabalhando para reservar a água, um novo programa que introduzimos nesse governo, com uma parte de uma operação de crédito junto ao BNDES que está financiando este programa. Estamos construindo mais de 30 barragens no território do Estado do Espírito Santo, espalhadas pelo interior do país. Junto aos órgãos ambientais, desburocratizamos a análise de projeto de barragem dos proprietários rurais. Ou seja, estamos fazendo obras com segurança, com todo zelo técnico e também desburocratizando e facilitando para trazer o mundo real para o mundo legal ”.


TECNOLOGIA E CIÊNCIA


“Olhar para o futuro é fazer uso da tecnologia. Por isso que, mesmo diante de uma crise com essa dimensão lançamos um edital de pesquisa de 14 milhões de reais focados nas cadeias produtivas agrícolas do nosso Estado. Essa é a nossa visão: precisamos de mais ciência aplicada à produção rural do nosso Estado. Precisamos desenvolver novas variedades. Estamos vivendo mudanças climáticas, então temos que adaptar a produção rural a essas mudanças, com um olhar para frente, e como produzir cada vez mais com mais qualidade e maior produtividade. A ideia dos editais de pesquisa dialoga com o que queremos: uma agricultura forte, pois assim teremos o Espírito Santo forte, pela força que a agricultura tem no equilíbrio social no nosso Estado. Sustentabilidade e Ciência e Tecnologia são dois pilares importantes desse nosso olhar para o futuro ”.



INFRAESTRUTURA


“Melhoramos a infraestrutura do interior do Estado iniciada no governo passado com (o atual Senador)

Ricardo Ferraço, então secretário da Agricultura, e transformamos a secretaria da Agricultura em uma secretaria que desenvolve a área de pesquisa, de difusão de conhecimento e provedora de infraestrutura no interior. O Caminhos do Campo é um sucesso que criamos aqui e já foi copiado por outros Estados. Queremos levar sinal de telefonia para onde não tem, equipamentos que possam ajudar associações de produtores no seu trabalho e aprimorar as ações de infraestrutura ”.


DESBUROCRATIZAÇÃO


“Outra vertente que estamos trabalhando tem a marca do secretário Octaciano que é desburocratizar para facilitar a vida do agricultor, e isso dialoga com o novo IDAF, que as pessoas pararam de ter medo e estão passando a ter uma relação direta com o produtor e com a agroindústria, pois queremos fortalecê- la no Estado do Espírito Santo. Esse é um movimento estratégico.


Se você produz a fruta, mas também processa, faz a polpa e depois o suco (como estamos fazendo em Linhares e vendendo para o Brasil inteiro), você tem valor adicionado, e isso melhora a vida do produtor rural. A desburocratização é um processo muito importante. O Estado não faz PIB (Produto Interno Bruto)*, mas ele pode ser um facilitador para a sua construção, pois quem faz PIB é o setor privado. Quando o governo se mete em fazer dá essa confusão que nós estamos vivendo no Brasil hoje, de país desorganizado, com crise fiscal e assim por diante. Mas o Estado brasileiro pode ser um facilitador, um indutor do desenvolvimento. Se ele desburocratiza a relação do produtor com os órgãos públicos, e eles cumprem a sua missão fiscalizadora, olhando a qualidade do produto, isso tudo dá para ser cumprido ”.


DIVERSIFICAÇÃO AGRÍCOLA E AGREGAÇÃO DE VALOR


“Há um último elemento que nós trabalhamos há muitos anos no Estado, que é diversificar a nossa agricultura. Queremos agregar valor ao que nós produzimos, por exemplo, estamos tentando trazer mais uma fábrica de café solúvel para o Estado. Nós temos a Real Café, que é um sucesso, a família Tristão colocou de pé e é um sucesso, assim como ajudou a estruturar o cultivo do Conilon, quando começaram em São Gabriel da Palha.


Na viagem que fiz à Singapura nós conseguimos dois contatos importantes de grupos interessados em vir para o Espírito Santo. Queremos transformar isso em realidade, porque um dos nossos objetivos é agregar valor ao nosso café, nossa fruta, nossa madeira. Um exemplo disso é o Placas do Brasil. Somos produtores de eucalipto e vamos usá-lo para fazer a matéria prima do nosso polo moveleiro, que atualmente vai ao Paraná e outros lugares distantes para buscar matéria prima. A partir de agora terá sua matéria prima na porta de casa e isso fortalece o nosso polo. Nós somos bons fabricantes de móveis por encomenda, fornecemos para Belo Horizonte, Rio, São Paulo, e somos bons fornecedores de móveis em série, inclusive já fomos exportadores. Então uma boa ação neste olhar para o futuro é agregação de valor.


E diversificar a agricultura é garantir a sustentabilidade. Introduzimos novos cultivos como a rentável pimenta do reino e podemos inserir outros. Sempre digo que seja uma região, um município ou uma propriedade rural, quando vive apenas de um produto e ele tem um bom valor de mercado estão todos alegres: o padre, o pastor, o comerciante e o
produtor rural; mas quando esse produto cai, e isso acontece muito com as regiões que estão focadas apenas no café, é uma tristeza só. A diversificação ajuda em tudo isso. É como pensarmos em uma cesta de produtos. Se você tem dois produtos, já tem mais sustentabilidade do que um só, mas se você tiver três ou quatro, o que pode acontecer? Quando um está com o preço alto, o outro tem um preço médio e o outro, baixo, na média você terá uma boa renda, esse é o raciocínio que temos.


Temos um outro pilar, que ao mesmo tempo agrega valor ao nosso produto e também à agroindústria, que é muito importante, pois se você produz cana, por
exemplo, e faz
dela o açúcar, você estará agregando valor; se você produz cana e faz dela o álcool, também estará agregando valor; se você produz cana e faz dela a aguardente, que é a bebida, é mais uma maneira de agregar valor. Então nós queremos valor e ao mesmo tempo diversificar as cadeias produtivas, trazendo novos elos para a cadeia do agronegócio capixaba. Essa é a nossa visão estratégica, olhando o que está frágil, dando mais suporte.


Também dá para fazer muito pela pecuária do Estado, ela pode evoluir na qualidade e na produtividade. Temos bons exemplos nessa área. Acho que se olharmos o mapa do Espírito Santo vocês encontrarão tanto na pecuária de corte, como na de leite, exemplos de qualidade e produtividade com um padrão internacional, inclusive. Então nós temos alguns bons exemplos e eles precisam se multiplicar pelo Estado ”.

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