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Café orgânico com ajuda dos ovinos

Propriedade com maiores rebanho de ovinos e volume de conilon orgânico do Espírito Santo será a segunda do Estado certificada pela agricultura biodinâmica

por Leandro Fidelis

em 07/12/2023 às 0h55

7 min de leitura

Café orgânico com ajuda dos ovinos

*Fotos: Leandro Fidelis

*Matéria publicada originalmente em 10/07/2020

A cena se repete diariamente na antiga Fazenda Barra do Mutum, em Pacotuba, distrito de Cachoeiro de Itapemirim, no sul capixaba. Pela manhã, os irmãos Sebastião (49) e Roque Giori (56) abrem a porteira do galpão para o rebanho com 1.050 ovinos pastar nas lavouras de café conilon. Os animais sobem com rapidez os morros, limpam o solo e o enriquecem com o próprio esterco. A rotina faz parte do processo de desintoxicação das plantas, que há cinco anos não recebem mais adubo químico. E os animais se mostram perfeitamente integrados ao sistema.

O Sítio Irmãos Giori aplica uma estratégia de produção que integra diferentes sistemas produtivos (agrícolas, pecuários e florestais) dentro de uma mesma área, de modo a garantir benefício mútuo para todas as atividades. É a Integração-lavoura-pecuária-floresta (ILPF), também chamada de sistema silvipastoril.

Por enquanto, vigora na propriedade a Integração Lavoura-Pecuária (ILP). De acordo com Sebastião, afloresta é o que falta para o sistema se autossustentar e a propriedade se tornar a segunda do Estado certificada pela produção biodinâmica.

Os agricultores estudam introduzir palmito, abacate ou ingá ainda este ano, priorizando uma espécie sem competitividade com as lavouras de conilon. A produção silvestre será somente para arborização da área e não terá fim comercial.

A ideia de reunir lavoura, pecuária e floresta surgiu para reduzir os custos com o café, conta Sebastião. Desde o início do projeto, os irmãos optaram por um animal de pequeno porte e de manejo mais prático. Partiram de dez cabeças de ovinos, aumentaram para 70 até atingirem um plantel com 300 animais para corte.

“O impacto das ovelhas e carneiros no cafezal foi positivo logo no primeiro lote. Daí aumentamos o rebanho e a mão de obra ”, diz o agricultor.

O único problema no início da experiência era a conjuntivite, doença bastante comum nesta espécie de ruminante, principalmente no inverno. Para buscar informações, Sebastião Giori viajou para Sobral (CE), sede da Embrapa Caprinos e Ovinos, onde conheceu os três medicamentos essenciais para o tratamento e aprendeu uma dica muito válida para os humanos nos tempos atuais: evitar aglomeração. “Hoje, temos quase o quádruplo de animais e a conjuntivite está sob controle ”.

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Carne

Os Giori são considerados os maiores criadores de ovinos do Espírito Santo. No plantel predomina maioria mestiça, de meio sangue Santa Inês, sendo divididos em borregos (filhotes com até um ano de idade), matrizes e POs (reprodutores). Um total de 350 fêmeas está prestes a parir e 250 cabeças estão na monta. A taxa de prenhez é de 85%.

A carne é vendida para frigoríficos do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, enquanto o projeto de um pequeno abatedouro não sai do papel. De acordo com Roque, os abates ocorrem em borregos com no máximo 120 dias. A monta e a mama programada garantem desenvolvimento rápido.

“A carne de ovino é nobre, macia, suculenta e de digestão rápida. O mercado é crescente no Brasil, que ainda importa 70% do Uruguai e do Chile ”, diz o agropecuarista.

Para Sebastião, ainda existe muito gargalo na comercialização da carne por conta do preço. “O consumo está muito concentrado nos grandes centros e o Espírito Santo ainda consome pouco. O preço do frete não compensa vender carne na região, infelizmente ”.

O plantel de ovinos fica confinado em um espaço coberto com 1.400m², onde passa pelo manejo sanitário antes de ser solto na roça.

Primeira safra de café orgânico em 2019

O Sítio Irmãos Giori conquistou, em 2019, o selo de qualidade nacional e internacional “Chão Vivo ”, concedido a agricultores que seguem os princípios da produção orgânica. O ano marcou a primeira safra certificada de conilon orgânico para os irmãos, considerados os maiores produtores com aptidão nesta espécie do Estado.

A propriedade de 75 hectares está situada a 135m de altitude e foi adquirida pela família em 1997. A área fica ao ladoda Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cafundó. O corredor ecológico é um bom vizinho para os agricultores orgânicos, pois além de cercar o terreno, é garantia do não uso de agrotóxico no entorno.

Os irmãos contam que começaram as atividades do zero no sítio, hoje com 50 ha dedicados à cafeicultura. As lavouras mais velhas têm 40 anos de idade, enquanto as mais novas, cerca de três. Ao todo são 114 mil pés de café. Todos os anos o campo cafeeiro é reformado com 10.000 pés.

O pastejo dura até o fim do dia, com cada ovino defecando em média 400g/dia.

“Desde 2008 procuramos fazer orgânicos, mas sempre esbarrávamos na estrutura de conhecimento. Os órgãos estaduais não tinham o dever de casa, não davam informação correta. Hoje temos compostagem rica, que é um composto de ovinos. Se a agricultura orgânica não tiver um composto rico, não se consegue produzir, não fica sustentável ”, destaca Sebastião Giori.

 

“A saúde é outra, o trabalho diminuiu sem utilização de veneno e até a qualidade do café aumentou ”, completa Roque.

O objetivo do investimento em orgânicos é garantir um produto limpo para o consumidor, diz Sebastião. O solo só ganha neste tipo de agricultura, pois a cobertura orgânica mantém a temperatura no cafezal e garante nutrientes às plantas.

“O cara não trabalha com orgânico porque não conhece a sua planta e o seu solo. Neste tipo de agricultura, vai saber que não precisa intoxicar o solo com veneno para produzir. O solo mesmo vai te dar os nutrientes necessários. Basta saber conduzir. Se não tivesse ovinos, eu teria que arrumar o composto fora. É reaprender a produzir ”.

Produtividade e qualidade

Antes de “desintoxicar ” as lavouras de conilon- o manejo orgânico leva em média 36 meses- a safra era de 3.000 sacas, média de 80 sacas/ha. De acordo com Sebastião, após dois anos nessa nova modalidade, sem utilizar agrotóxico, a produção inicial foi de 15 sacas/ha e, este ano, a média deve ficar em 40 sacas/ha. O auge é esperado para 2023, quando a colheita ficará em torno de 60 a 70 sacas/ha em 2023.

E os compradores internacionais já sinalizaram interesse na safra de 2020 por conta da qualidade que aumenta ano após ano, garante Roque.

“Este ano eles querem mais porque a qualidade aumentou e teremos valor agregado razoável. Inglaterra e Alemanha fecharam negócios e os coreanos estão querendo fazer o mesmo ”.

Os irmãos estão montando um despolpador e está demarcando os talhões para conferir qual dá mais qualidade. Tem mercado até para a casca do café dos Giori. A dupla iniciou testes este ano para viabilizar o consumo da casca na forma de chá e enviou amostras para a Suíça por meio de um comprador.

Sebastião Giori em uma das lavouras de conilon do sítio. Segundo o agricultor, moradores da comunidade quilombola de Monte Alegre, a poucos metros do sítio, oferecem disponibilidade de mão de obra o ano todo, não somente em época de safra. No entanto, para a colheita deste ano, os irmãos Giori reduziram as contratações em 50% para evitar aglomeração durante a pandemia da Covid-19.

 

Agricultura biodinâmica

Os irmãos Giori querem ir mais longe na produção orgânica. A previsão é de que dentro de oito a dez anos, a propriedade em Pacotuba esteja produzindo integralmente a partir dos princípios da agricultura biodinâmica. Trata-se de uma forma alternativa muito semelhante à orgânica, mas que inclui vários conceitos esotéricos desenvolvidos a partir das ideias de Rudolf Steiner na década de 1920.

Desde o início do ano, os agricultores recebem consultoria do Instituto Biodinâmico (IBD) para obtenção do mesmo certificado obtido pela Fazenda Camocim, de Aracê (Domingos Martins), a pioneira em terras capixabas no conceito com bases neste tipo de agricultura milenar.

“Estamos aprendendo cada dia mais, pois acreditamos no equilíbrio entre a lavoura, os animais e a floresta ”, diz Sebastião. Uma das medidas é seguir o calendário lunar para produzir os “preparados ” (compostos) mineral (que fica 60 meses enterrado) e orgânico (60 dias) para o solo. “Na biodinâmica não é quantidade, é a informação que você joga que vai valer a pena ”.

 

*O jornalismo da Safra ES cumpriu todas as medidas de segurança recomendadas pelos órgãos de saúde para a realização desta reportagem.

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