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Sustentabilidade

Ambientalistas defendem contorno em Sooretama

Alternativa para dar seguimento ao projeto de duplicação da BR-101 foi apontada por ativistas da área ambiental em reunião de colegiado que atua na fiscalização da obra

por Assessoria de imprensa Ales

em 18/06/2021 às 9h33

9 min de leitura

Ambientalistas defendem contorno em Sooretama

A Comissão Especial de Fiscalização da BR-101 se reuniu nesta quinta-feira (17) de maneira virtual para discutir a duplicação da rodovia no trecho que corta a Reserva Ambiental (Rebio) de Sooretama, no Norte do Estado. Especialistas na área ambiental denunciaram sérios prejuízos à biodiversidade na região ao longo dos anos e propõem um contorno a oeste do trecho da reserva como uma solução válida para o caso.

A BR-101 corta a Reserva Natural Vale e a Rebio de Sooretama em trecho de aproximadamente 25 quilômetros. De acordo com o presidente do Instituto Marcos Daniel, Marcelo Renan de Deus Santos, a região é uma das últimas áreas de Mata Atlântica capazes de comportar e conservar por longo prazo populações viáveis de espécies de grandes animais e árvores, além de ser considerada o último refúgio desse tipo de floresta para animais como a surucucu-pico-de-jaca, a harpia, o queixada e a onça pintada.

Marcelo, que é doutor em Ecologia de Ecossistemas, ainda disse que a reserva é considerada uma das regiões de mais elevados valores ambientais no mundo, tendo uma das maiores estocagens de carbono na vegetação em todo o planeta, conferindo relevância para os acordos ambientais internacionais. Destacou ainda a importância da reserva para a manutenção da qualidade do clima, da água e do solo, assim como para a polinização e para o controle de pragas agrícolas e epidemias.

“A Rebio de Sooretama é a unidade de conservação mais antiga do Espírito Santo, é de 1941, e é a que vem sendo estudada e conservada há mais tempo no Estado. Junto com as reservas da Vale e do Grupo Suzano, forma o maior bloco florestal de mata de tabuleiro da Mata Atlântica, com 53 mil hectares. É uma das áreas protegidas mais biodiversas do mundo”, explicou o presidente do Instituto Marcos Daniel.

A região possui diversos títulos e diplomas que reconhecem sua relevância no contexto ambiental, tendo sido inclusive declarada Patrimônio Nacional Mundial pela Unesco em 1999. Também foi definida como Área Prioritária para Conservação da Biodiversidade Brasileira pelo Ministério do Meio Ambiente em duas ocasiões (2016 e 2018). “Essa região vem sendo diplomada sucessivamente pela sua relevância ecológica dentro dos contextos estadual, nacional e internacional”, comentou o especialista.

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Irregularidades

O palestrante explicou que a BR-101 atravessou ilegalmente a Rebio de Sooretama já durante a implantação, nos anos 1960 e 1970, em desacordo com a Lei 4.771/1965, que trata do Código Florestal. A rodovia, apontou, funciona ainda hoje à revelia da Lei 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.

“O processo de licenciamento da duplicação da Rodovia BR-101, no que tange ao trecho norte, especialmente ao complexo de áreas protegidas Sooretama/Linhares está cheio de vícios e problemas legais e constitucionais, o que demanda uma análise atenta pelos órgãos de controle, pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Poder Legislativo”, analisou.

Marcelo explicou que as consequências são desastrosas. “Os 25 quilômetros da BR-101 que atravessam a Rebio e sua zona de amortecimento têm os maiores números de espécies e indivíduos de animais vertebrados atropelados no mundo”, lamentou. O ativista disse que mais de 1 milhão de animais já morreram atropelados no local desde a implantação do trecho, sendo cerca de 2 mil atropelamentos a cada ano, com registros de 200 tipos diferentes de espécies nessas intercorrências.

Outros prejuízos relacionados à ocupação desordenada da região também foram apontados pelo ambientalista, entre eles falta de água nos cursos d’água e nos solos, aumento da temperatura e redução da umidade do ar, aumento de focos de incêndios florestais, mortandade de espécies de árvores, poluição sonora, do ar e por emissão de resíduos sólidos, além da contaminação da fauna e da flora.

Contorno

O palestrante explicou que os dispositivos de mitigação, reparação e compensação disponíveis hoje no mundo não seriam capazes de garantir a conservação da biodiversidade no complexo. “Então qual seria a solução que os pesquisadores, amparados na ciência e em dados científicos, coletados em loco, propõem? Que a região do complexo florestal Sooretama/Linhares seja contornada pelo oeste. Que seja feito um contorno da BR-101, a oeste da Rebio de Sooretama”, concluiu.

Os pesquisadores já fizeram também o planejamento desse contorno. O trecho teria 97 quilômetros, uma diferença de 32 quilômetros para a rodovia original. A pesquisa aponta que isso não impactaria no tempo de viagem, já que ela não atravessaria áreas urbanas, diminuindo o número de obstáculos. “Além de garantir mais conforto, segurança, economia e redução nos impactos ambientais", salientou Marcelo.

A reunião foi mediada pelo professor do Departamento de Biologia, do Centro de Ciências Exatas, Naturais e Saúde (CCENS), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Aureo Banhos dos Santos. O professor disse concordar com a solução do contorno pelo lado oeste da rodovia e fez uma análise pelo viés econômico, abordando o contexto histórico e o desenvolvimento da região.

“Se você remove aquela rodovia dali você tem a oportunidade de deixar os eixos regionais funcionarem para o escoamento da produção e controlar o movimento nessa rodovia com muito mais tranquilidade nas estradas que ficarem. Inclusive, nós propomos aqui deslocar essa rodovia pro lado oeste porque a área lá é muito mais degradada e já era um eixo de desenvolvimento do Estado, naturalmente, que foi empobrecido porque foi tudo deslocado para a foz do Rio Doce. Mas lá, através da rodovia, podem ser instaladas indústrias e outros grandes empreendimentos”, argumentou.

O professor acredita que o Estado não tem condições de controlar a degradação ambiental da região com a duplicação do trecho conforme está previsto. “Não é colocando uma rodovia de alto fluxo, de um grande empreendimento naquele cenário, que você vai conseguir preservar isso, porque é reconhecido mundialmente que é o maior vetor de perda de biodiversidade direto e indireto. Porque através desse vetor, vários outros empreendimentos se instalam e isso fica incontrolável. O Estado não consegue controlar o cenário hoje, imagina no futuro”, alertou.

O fundador e voluntário do Instituto Últimos Refúgios, Leonardo Merçon, também falou sobre a importância e riqueza da biodiversidade da reserva. “Pra mim a Rebio de Sooretama é um símbolo de biodiversidade, não só do Espírito Santo, mas do Brasil, e quiçá do mundo. Eu, como fotógrafo de natureza, que é a minha profissão, já viajei pelo mundo inteiro fotografando quase todos os continentes e eu nunca vi um lugar tão rico em biodiversidade quanto a Rebio de Sooretama, que tem animais da Mata Atlântica, da Amazônia e por aí vai”, afirmou.

Licenciamento

A reunião foi proposta pelo presidente do colegiado, deputado Gandini (Cidadania). O parlamentar está de acordo com os especialistas e acredita que o contorno seria uma solução viável. “Uma pessoa que não tem essa carga de informações tende a achar que é simples passar ali. Não tem essa profundidade de entendimento de perdas que nós vamos ter a curto, médio e longo prazo, do ponto de vista ambiental e do ponto de vista econômico, pois ficou claro também que isso vai gerar impacto em toda região, principalmente na agricultura”, explicou.

Gandini ainda destacou a importância do debate para a compreensão sobre os entraves no licenciamento ambiental da obra. “A gente verifica que há, por parte da concessionária, um desinteresse enorme em resolver essa questão do trecho de Sooretama. Mais especificamente há um desinteresse enorme em ter a concessão da licença nesse trecho. Ao que nos parece, isso é uma vantagem que eles estão conseguindo ao não apresentar as documentações pedidas pelo Ibama. Por isso que eu manifesto sempre que o Ibama precisa encerrar esse assunto e falar que a concessão é inviável desse jeito”, concluiu.

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